Estava no chão, mas não segura!
Estava no chão, mas não segura!..
Na altura, como era um pouco distraído, não ligou muito ao caso! Ela devia estar em qualquer lado. Já estava habituado, quando não sabia duma coisa encontrá-la onde menos esperava e exclamar: - Ah. Estás aqui!
À sua volta, campos abandonados por netos de avôs lavradores, agora engenheiros ou doutores. Por vezes, cogitava que a terra, com tanta ciência adquirida, devia estar mais desenvolvida, mas não, a terra estava desaproveitada e havia muita falta de pão em muita mesa de gente, que apenas o sabia comer mas não como o fazer! De sua casa, situada num ponto elevado, avistava uma casa, cujo quintal, outrora bem cuidado e produtivo, estava ao deus dará, sem nele, há anos, cair maná! Que pena!
Naquele dia, como precisava de semear feijões, favas, abóboras, batatas, ervilhas, além de rabanetes, foi mais afoito nas buscas. Ela tinha que aparecer. Mas não, não apareceu mesmo. Chegou à conclusão que, devido ao preço dos metais, talvez tivesse sido vítima de roubo. Ainda pensou avisar o sucateiro vizinho, porque ela tinha uma marca especial adquirida ao longo dos anos na sua companhia, mas pensou que não valia a pena! Talvez fosse útil a alguém.Não teve outro remédio senão comprar outra.
De vez em quando tornava a procurar a antiga, porque lhe parecia que com a nova os regos não ficavam lá muito bem, além de suar mais do que o costume e gastar mais tempo e mais água nos banhos!
Que saudades tinha da antiga. Era mais leve, mais maneirinha! Para sua surpresa, duma janela viu que o tal quintal abandonado estava a ser trabalhado! Soube que era por um jovem formado, mas desempregado.Conhecia-o de vista. Um dia, porque não resistiu à curiosidade, fez um desvio no seu caminho de rotina e fez zoom à visão para tentar perceber o que estava a ser semeado no terreno recuperado.
Pousada no chão, algo lhe despertou a atenção. Com o zoom ao máximo conseguiu detetar que era ela! Ah ah! Com que então estava ali, sequestrada ao serviço doutro?! Depois, viu o jovem licenciado, mas desempregado e já sem subsídio, pegar no cabo, erguê-la e mergulhá-la fundo na terra. Ficou rendido ao esforço do jovem. Tinha pensado em ir fazer queixa à polícia pelo roubo da sua querida sachola! Ficou um pouco mais a observar. Por fim, tomou a decisão de não fazer queixa e deixar o jovem produzir, produzir e, quem sabe se um dia até exportar, para o défice da balança comercial de Portugal reduzir!? Ficou tão impressionado que resolveu deixar mais uma sachola, abandonada no seu terreno, esperando que desaparecesse e que alguém dela faça lavra poética camoniana:
“Descalça vai para a fonte
Leonor, pela verdura;
vai formosa e não segura”
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Estava no chão, mas não segura,
alguém a pegou do chão
para a poesia da agricultura!
Autor: Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque
Nota: A foto da sachola está no meu blogue "Conde das Bocas"
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