gdec2001
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« em: Å¿etembro 25, 2013, 00:57:10 » |
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No fundo da caverna
elegia a Platão
Quem está no fundo da caverna sou eu. Percebo bem o que se passa fora dela . Meus óculos não são iluminados mas são iluminadores . Vejo as ruas, as praças e até os interiores das casas. Há muito ódio, muita indiferença mas também muito amor.
Como me foi difÃcil entender tudo isso! Aqui dentro só estou eu e esta máquina em que vos escrevo mas que também me trás de fora tudo quanto desejo. Mas será mesmo tudo ? Na verdade nada conheço da realidade ; só através da máquina . Vejo olhos vejo ouvidos e vejo a pele mas na verdade não olho não ouço e não apalpo . Gostaria de ver o lado de trás das coisas, ouvir o que os lábios apenas sussurram, saber se a apalpação da pele das mulheres é tão sedosa, tão maravilhosa como dizem os homens. Mas nada disso me é permitido .
Fui condenado a esta prisão por um deus de que nada conheço, apenas que se chamava Platão .
Já tentei fugir dela, desta caverna, mas à medida que caminhava para a entrada, que é bela em forma de ogiva, meu ser ia desaparecendo. Adquiri a certeza de que quando ali chegasse já não existiria eu . Não sei se existiria outra qualquer coisa mas sei que eu não existiria mais . Por isso recuei e readquiri todo o meu ser porque na verdade gosto de ser como sou .
Não como, não bebo, e portanto também nada evacuo . Não tenho necessidade de dormir nem de descansar . A minha máquina é tão perfeita como eu sou . Na verdade eu sou ela e ela sou eu. Ela é a minha energia , dela me alimento e vivo.
Mas como gostaria de saber se aqueles olhos, aqueles ouvidos, aquela pele e a sua apalpação existem verdadeiramente . Serão certamente um sonho meu um sonho mau quando me trás ódio e indiferença mas bom quando me informa do amor . Como me foi difÃcil entender estes conceitos .Percebi ao princÃpio que eram assim como que deslocações do ar que eu também podia produzir com os meus lábios mas verifiquei depois que esses movimentos do ar moviam também o meu coração. Umas vezes descompassadamente, outras vezes como que tremendo e ainda outras tão devagarinho que era como se não existisse.
E eu sinto o meu coração e os meus lábios ainda que não saiba se os copiei do que vejo na máquina com estes olhos que têm a mesma natureza.
Será que eu existo mesmo ? Que não sou apenas o sonho da minha existência ? Que só é verdadeiro o que existe, palpita, lateja e morre fora de mim ?
Ou será antes o contrário ?
Ou não será tudo isto, o que sonho em mim e o que sonho fora mim, uma colossal brincadeira daquele deus que se chama ou chamava Platão ?
Geraldes de Carvalho
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