marcopintoc
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« em: Junho 04, 2008, 09:20:58 » |
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Ontem percorri bares que nunca frequento. Para observar como vivem outros que em nada são semelhantes a mim. Disfarcei-me com roupas de que não gosto .Suficientemente ordenadas para não atrair as antipatias dos porteiros , os primatas da noite ; suficientemente mal combinadas e antiquadas para afastar eventuais desejos; hetero ou gay . Ocultei-me em cantos de balcão , copo de whisky suspenso na mão percorrendo com o olhar as existências que circulavam em redor. Felizmente era Sábado à noite. A emergência de divertimento que o fim de semana traz fazia com que os lÃquidos escorressem velozes das garrafas manipuladas por†barmen “, ora de sorriso circunstancial, ora de animação extrema . Este facto trabalhou em meu favor. O álcool e outros aditivos a circularem rapidamente no sangue daqueles que me rodeavam fizeram que os seus olhos e corpos se tornassem mais expressivos permitindo que eu pudesse observar mais intensamente as suas vivências. Houve um momento em que senti vergonha. Senti-me vampiro de emoções. Demasiado vazio das mesmas ao ponto de ver-me forçado a ir beber a fonte alheia. Tal e qual como as donas de casa ressequidas que transferem as suas esperanças para os quarenta minutos da novela brasileira das oito da noite. Esta retracção deu-se exactamente entre o quarto e o quinto copo, na altura em que observava ,atentamente, a dúvida invadir uma rapariga de para ai uns dezanove anos e o seu vacilar entre o desejo de um Casanova de fim de semana e o olhar, misto de álcool mal digerido e censura, de uma amiga extraordinariamente feia que a seguia em movimentos de central de marcação nas tentativas de aproximação ao individuo. Desviei por momentos os olhos daquele acto da pantomina desta noite e enfrentei de novo o sorriso inexistente do homem do bar para mais uma rodada na minha auto festa. O sentimento de arrependimento é diluÃdo em quatro golos vigorosos e uma ida aos sanitários. Entre o embalo do álcool e a urgência do opiáceo decido intervir na pantomina que presenciava. Posso ir dançar e ser ridÃculo, assentar como um abutre no balcão, esperando por um cruzar de olhares fulcral que abra promessas de luxúria. No entanto opto por repor a ordem natural das coisas. Em movimentos discretos e aproveitando-me da minha transparência respeitável de executivo em tom casual despejo, em três gestos perfeitos, algumas gotas do frasco maravilha que me vendera um velho conhecimento da universidade que se dedicara a tempo inteiro à indústria do entretenimento. A feia controladora, a pita com tusa e o rei da pista são abençoados. Metilenodioximetanfetamina. Que belo ! O nome extenso tem o som profano de uma oração, uma invocação a este trio que goza agora o “ménage†do êxtase , da insanidade e da morte. Aguardo os minutos suficientes para que os jogos da noite se iniciem. O batoque é a primeira a perder o tino. Entende que o olhar da amiga já se focou no movimento repetitivo das ancas do seu potencial parceiro e que nada poderá fazer. Não quer ficar para trás . O aumento da batida do DJ torna-a num artefacto de loja chinesa em super promoção que se lança à pista. DisponÃvel, Fácil . Alguém a coma! O afastamento da amiga faz com que a Isolda X ganhe alguns metros de proximidade daquele que aumentou o bambolear e fixou o olhar . Por vezes as mãos simulam que agarra uns quadris. Ela sorri e gosta. Saio do meu lugar de observação e passo bem junto a ela. Cheira a fêmea . Esta noite gritará quando o látex quase explodir dentro dela. Caminho para a saÃda . Passo ,em ultimo lugar, pelo elemento masculino do trio . Cruzo o olhar com ele, está fixo, nem me vislumbra. Digo-lhe boa sorte em silêncio e parto para outro bar. No táxi decido que o meu terapeuta escusa de ouvir esta noite. O dia já levanta uma ligeira sobrancelha sobre o Tejo. Ainda há tempo. Ainda há tempo
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