Guacira
Membro da Casa
Offline
Sexo:
Mensagens: 481 Convidados: 0
|
|
« em: Setembro 09, 2008, 16:10:14 » |
|
Tomando como referĂȘncia a Teoria dos Genes EgoĂstas, de William Hamilton, comecei a fazer algumas reflexĂ”es e vieram-me Ă cabeça muitas dĂșvidas. O fato de escrever me faz realizar incursĂ”es em assuntos dos quais nĂŁo entendo, mas que me causam perplexidade, como a violĂȘncia entre pessoas de uma mesma famĂlia. Genes egoĂstas Ă© uma metĂĄfora para explicar a teoria do autor, do genes de sucesso, em que, segundo ele, todo ser humano compete por territĂłrios, tentando ampliar ou se apoderar de espaços Ă custa do outro, inclusive se utilizando de âmanobras psicolĂłgicasâ. Entretanto, em sua evolução o gene tambĂ©m nos apresenta a possibilidade da cooperação e o altruĂsmo, como algo benĂ©fico nessa competição, ou reaçÔes diferenciadas. Ao contrĂĄrio das tartarugas, que pĂ”em ovos/filhos aos milhares de uma sĂł vez e os abandonam Ă prĂłpria sorte, nĂłs, seres humanos, tendemos a ter poucos filhos e investimos fortemente neles, protegendo-os para garantir sua sobrevivĂȘncia, num processo de altruĂsmo, que se evidencia pela seleção; seleção em famĂlia. Mas hĂĄ insetos sociais que tambĂ©m sĂŁo exemplo desse tipo de seleção, demonstrando o quanto ela pode afetar o comportamento. No entanto, essa seleção nĂŁo segue rigidamente um padrĂŁo; hĂĄ apenas uma predisposição de que os seres poderiam por a prĂłpria vida em perigo para salvar suas crias. Na contemporaneidade, nĂŁo teria referĂȘncia de casos anteriores, estĂĄ ocorrendo um processo que ratifica ser esta, tĂŁo somente, uma tendĂȘncia â e eu nĂŁo ousaria chamar isso de evolução sob nenhuma vertente â que Ă© chamada de âseleção anti-familiarâ. Em todos os continentes, ultimamente, vĂȘm acontecendo de forma recorrente e persistente, atos de violĂȘncia com morte, entre membros unidos por laços familiares tĂŁo fortes, como pais e filhos, tios, avĂłs, irmĂŁos, pelos mais banais motivos, predominantemente pela ganĂąncia por bens materiais (dinheiro). Esses fatos me levaram a refletir com alguma preocupação sobre o instinto humano. Embora entendendo que o processo de altruĂsmo em famĂlia seja uma predisposição, como jĂĄ referido e nĂŁo uma constante ou um comportamento genĂ©tico obrigatĂłrio, eu diria. AliĂĄs, sem dĂșvida alguma, os dois casos mais recentes desse tipo de violĂȘncia ocorridos, um no Brasil (o assassinato de Isabela Nardoni, cujo pai teria, junto com a atual mulher, matado e jogado a prĂłpria filha, de 5 anos, por uma janela do 6Âș andar) e outro na Ăustria (o encarceramento e sucessivos estupros de Elisabeth Fritzl pelo prĂłprio pai), deixaram estarrecida e indignada a população mundial e, tambĂ©m sem dĂșvida alguma, ficarĂŁo na histĂłria dos dois paĂses, como um dos atos de violĂȘncia mais doentios e inacreditĂĄveis atĂ© agora cometidos, que se tenha notĂcia. A violĂȘncia domĂ©stica praticada entre familiares, geralmente se dĂĄ entre cĂŽnjuges, filhos e pais, e inclui diversas prĂĄticas indo desde as agressĂ”es fĂsicas, com pancadas, uso de objetos para ferir, violĂȘncia sexual, entre outros, contra crianças, mulheres e idosos, mas tambĂ©m contra os homens, embora em pequena escala. Contudo, nĂŁo sĂł fĂsica, como o estupro, a violĂȘncia, talvez mais destruidora, no meu entender, que Ă© cometida, principalmente contra crianças, se constitui a psicolĂłgica; esse tipo de violĂȘncia domĂ©stica, geralmente se estabelece como um padrĂŁo de comportamento e continua a causar sofrimento, mesmo depois de praticado o ato em si, como Ă© o caso de Elisabeth, da Ăustria. A face mais cruel disso tudo, Ă© que essa violĂȘncia ocorre de forma silenciosa, dissimulada e, por vezes, com a conivĂȘncia de outro membro adulto da famĂlia, tornando ainda mais avassaladora essa atitude, porque, principalmente a criança, nĂŁo tem meios de defesa; aquele adulto que a violenta deveria protegĂȘ-la! A quem recorrer? E isso tem desdobramentos nocivos e desumanizadores, porque, como pode ser praticado por anos a fio, interfere no seu desenvolvimento fĂsico/emocional / psicolĂłgico e mental. Esses seres terminam por apresentar um tĂŁo baixo nĂvel de auto-estima, que se permitem ser violadas pelo fato de existir um vĂnculo familiar e, em conseqĂŒĂȘncia, uma dependĂȘncia material e emocional. E pior, o agressor, em muitos casos, acusa sua vĂtima de ser a responsĂĄvel pela agressĂŁo, tornando-a tambĂ©m uma vĂtima da culpa e da vergonha de ter tido aquela atitude, que termina por assumir. Trazendo a questĂŁo para o foco das relaçÔes familiares, precisamos analisar o velho chavĂŁo, aparentemente inocente, utilizado pelos pais: âfaço o que Ă© melhor pra vocĂȘâ. Talvez, se eles se restringissem a fazer o que Ă© bom, o que podem, por seus filhos, nĂŁo chegĂĄssemos Ă s situaçÔes inadmissĂveis e absurdamente violentas que conhecemos quanto a essas questĂ”es. Que conceito de âmelhorâ estaria implĂcito aĂ? Esse melhor, Ă© melhor pra quem, atende Ă s demandas e desejos de quem? No caso em destaque aqui, do famigerado Josef Fritzl, que confessou ter aprisionado a filha, por 24 anos, para âlivrĂĄ-la das drogasâ, seria, no meu entender, um caso tĂpico do faço a vocĂȘ o que Ă© melhor pra mim, uma vez que esse monstro, como uma besta, seviciou , violentou e violou os mais elementares direitos de Elisabeth, para saciar seus instintos mais animalescos; aqui nĂŁo vou analisar se seria isso uma patologia, nĂŁo me interessa, no momento, vĂȘ-lo como um doente; ele planejou tudo com perfeição, nos mĂnimos detalhes e requintes... seria ele tĂŁo doente, uma vez que realizou viagens suspeitas para a TailĂąndia? E sabemos o que acontece naquela regiĂŁo... Agora, voltando um pouco, precisarei expor aqui uma dĂșvida que vem me incomodando, retomando uma questĂŁo que parece simples, numa primeira anĂĄlise, embora nĂŁo seja: a do que os pais dizem entender ser melhor para seus filhos. Sabe-se que Ă© a sociedade que define as caracterĂsticas dos diversos papĂ©is sociais e Ă s pessoas cabe assumĂ-los e atender o que delas Ă© esperado pelos diversos grupos, sob pena de serem deles excluĂdos ou sofrerem penas (de forma ampla), e tambĂ©m porque esses papĂ©is costumam nascer dentro do nĂșcleo familiar. Fico muito preocupada se nĂŁo estaria, nesse caso, refletida a forma como essa jovem â a Elisabeth â teria se comportado durante 24 anos em que foi mantida em cativeiro, em condiçÔes subumanas, pelo prĂłprio pai, que confessou Ă polĂcia tĂȘ-lo feito âpara livra-la das drogasâ? Sabe-se lĂĄ o que teria dito esse homem, Ășnico contato dela e dos trĂȘs filhos, fruto do incesto, com o mundo exterior, sobre a importĂąncia de atender a esse papel da filha boa e bem comportada, atenciosa, terminando por incutir-lhe a idĂ©ia de ser seu salvador, de estar livrando-a de pessoas mĂĄs, como homens ruins e policiais sem escrĂșpulos, jĂĄ que parece que ela seria usuĂĄria de drogas, terminando por estabelecer um clima menos agressivo e dolorido entre eles? AtĂ© atendendo ao esquema de um jogo familiar estabelecido? Voltando Ă s referĂȘncias que tomei para elucidar as dĂșvidas aqui expostas, uma vez que nĂŁo sou psicĂłloga, mas me estimulam as anĂĄlises, precisarei fazer algumas delas sobre a HipĂłtese do Grande Erro, de John Tooby e Leda Cosmides, que consiste, segundo eles, ser a seleção em famĂlia como a força por trĂĄs de nossos instintos de cooperação em grande escala no mundo moderno. Segundo essa teoria, estarĂamos mais propĂcios a cooperar com todos os membros de um grupo, porque no perĂodo plistoceno (nas savanas), a maioria dos membros de um grupo estaria ligada por laços de sangue ou por vĂnculo de âcasamentoâ (parceiros sexuais ou na criação de filhos). EntĂŁo, mentalmente, terĂamos mais vĂnculos com essa sociedade do que com as atuais, por seu tamanho e complexidade e assim, estarĂamos fazendo uma confusĂŁo entre as duas. Dessa forma, a cooperação na âsociedade modernaâ seria uma resultante da mĂĄ adaptação da seleção em famĂlia , relacionada ao gene egoĂsta; este, por conseguinte, se constituiria o âgrande erroâ. Assim,nĂŁo haveria significado genĂ©tico em cooperar com um grande nĂșmero de pessoas estranhas, que, claro, nĂŁo possuiriam nossos genes, assim como essas pessoas tambĂ©m nĂŁo teriam interesse em retribuir a ajuda; o que me leva Ă compreensĂŁo de que serĂamos todos relativamente cooperativos, apenas, pelo fato de vivermos a mesma situação distorsiva. Nesse raciocĂnio se fundamentaria a teoria como pouco convincente uma vez que, se membros, em todos os graus, de uma grande famĂlia fossem criados juntos, ficariam sem informaçÔes acerca do grau de parentesco existente entre eles, a partir de um sistema interno de detecção. Foi relatado que crianças israelenses, criadas em kibbutzen, demonstraram pouco interesse sexual uns pelos outros; isso vem demonstrar que Ă© possĂvel que a familiaridade entre pessoas na infĂąncia, seja mais forte que as âligaçÔes biolĂłgicasâ e poderia ser usada para evitar o incesto. Finalizando, fica tambĂ©m evidenciado que o âcomportamento modernoâ contraria a teoria aqui analisada. Teoricamente, cria-se um filho sem inflingir-lhe obrigaçÔes posteriormente; teoricamente, seria este um ato social incondicional; entretanto, vimos detectando ultimamente situaçÔes que contradizem esta âregraâ, se sabemos que a todo momento sĂŁo detectados atos sociais condicionantes, a exemplo das pressĂ”es, chantagens emocionais, ou seja, que dos filhos espera-se retorno posterior, isto Ă©, ajudar condicionalmente (hĂĄ pais que lhes dĂŁo algumas condiçÔes se forem atendidos em outras) e ferir condicionalmente (eu sou seu pai, posso castigĂĄ-lo). Percebe-se, ao final, que hĂĄ enorme decadĂȘncia na famĂlia nuclear e grande mobilidade, o que vem tornando esses laços muito dĂ©beis. SĂntese de trabalho apresentado em uma das discussĂ”es do Grupo de PsicanĂĄlise da Bahia.
|