22segundos
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« em: Novembro 16, 2008, 12:02:23 » |
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O Senhor da Casa Grande.
Sabemos como, O meu mundo não é o teu.
Que és o herdeiro de reis e eu da linhagem de criados; Que te cobres de ricos veludos enquanto eu só trajo andrajos; Que caminhas pelos paços enquanto as copas habito eu; Que dormes em leitos reais quando só o borralho é meu; Que ofereces faustosos banquetes quando códeas da antevéspera devoro; Que tens quentes sobretudos quando tremo e de frio choro.
Assim é.
Ainda assim facilitei, que esta camponesa roubasses, que a levasses na garupa, que recém-púbere a tomasses, a caminho da seara, dos pais para sempre apartada, guardada para o Senhor das terras, para a sua cama levada. E acolhi a tirania sôfrega, da tua luxúria pousada em mim, sabidos semi-nus por toda a aldeia, esperei pacientemente p’lo fim. Mal escondidos p’los arbustos ralos, fixei o céu derrotada, ouvi ao longe a distante infância, e fitei-te intrigada.
E deixei que a galope, me passasses p’la porta de serviço, e me entregasses à governanta, confiando que me prolongasse o viço. Ela tratou desta flor arrancada, guardando-a diligente em jarra, para nela te refrescares; para nela te revigorares.
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Sabemos como, O meu mundo não é o teu.
Que te moves por Parlamentos Enquanto pulo as pratas circunspecta; Que declamas Homero e Horácio quando sou analfabeta; Que os pés cinges em meias de seda quando descalça é o pó que calco; Que valsejas p’los salões com damas quando a cozinha é o meu palco; Que as tuas mãos são suaves onde os calos me traçam a sina; Que o mundo te canta a beleza quando nem um olhar me destina.
Assim é.
E ainda assim foi devotamente, que na tua convalescença, fui a ama de leite que desviou para a tua boca, o leite dos próprios filhos.
E ainda assim foi amorosamente, que fui a tua criada de quarto, e escudada pela invisibilidade, feliz te perfumei a cama.
E ainda assim foi com bravura, que fui o teu fiel escudeiro, o que te protegeu a armadura, sem cota, sem escudo e sem lança.
Assim foi.
E agora que estou velha, criados os filhos que no meu ventre semeaste, recordo como tive a indolência de não chorar, naquele dia em que me roubaste, recordo de com audácia, o cabelo te acariciar, recordo que com perspicácia, soube serem mesmo aqueles, os princÃpios de te amar. Recordo como foram décadas, os longos tempos de partilhar o teu leito, como me ofereci p'ra acolher-te, p'ra que me desaguasses no peito.
E recordo agora mesmo, quando acabas de me morrer nos braços, como sem mexer um músculo, me elevaste aos tronos mais altos, como sem declamar discursos, me cantaste a realeza, como sem me cobrires de pérolas, me fizeste a tua maior riqueza.
E agora com o sino na mão, preparada p’ra Casa acordar, penso nas tuas exéquias fúnebres, e de como te quereria acompanhar. Recordo-me do caminho da seara, sei que não há como voltar ao trigo, sei aliás que jamais, me permitirão caminhar contigo.
Acerco pois os pós brancos, que o boticário preparou, e tomo-os todos de um trago, libertando-me de tudo o que sou. E os olhos fecham-se naturalmente, e lanço-me à doçura das nossas horas, deambulo p’lo mundo em que te tenho, nos meus braços sem penhoras. Sonho que entramos finalmente, no paraÃso da boa-vontade, no céu de santos, anjos e arcanjos, que na catequese, quando menina, conheci da prédica do Senhor Padre.
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