Manuela Fonseca
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A poesia é uma disciplina da alma
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« em: Dezembro 27, 2007, 15:13:26 » |
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A noite caÃa, lentamente, sobre a cidade acesa de mil cores. Nevava e o frio era tanto que, mesmo vestidas de pesados agasalhos, as pessoas ainda tiritavam. Numa dessas ruas da cidade, caminhava a Joana… A Joana era uma menina pobre, sem pais nem parentes desde os cinco anos de idade. Hoje, com nove anos, não tinha casa nem ninguém que tomasse conta dela. Até há poucas semanas vivera da caridade da D. Albertina, velha senhora, sua benfeitora. Mas quando esta faleceu, foi expulsa como um cão, pelo filho que sempre odiou a pobre Joana. Desde então, passou a viver na rua, aquecendo-se em papel ressequido e dormindo em caixas de cartão, pedindo esmola aos transeuntes que, naquela noite, apressados, atravessavam a avenida, entravam e saÃam das lojas ou, simplesmente, passeavam… Ninguém lhe prestava atenção, ninguém notava como ela tremia de frio dentro do seu vestidinho, rasgado e sujo. - Dê-me alguma coisinha para comer… - Pede à tua mãe, pequenita. Hoje não é dia para pedir esmola! – Responderam-lhe na podridão da arrogância. - Não tenho mãe… A caminhante afastou-se sem a querer ouvir ou ajudar. Joana, continuou a andar cada vez mais cansada e faminta. Era véspera de Natal! As lojas estavam cheias de pessoas, meninos como ela pela mão de suas mães que pediam brinquedos e faziam birras, porque podiam fazer no meio das luzes cintilantes, altos pinheiros de muitas cores, grandes bolas brilhantes e coisas assim, próprias do Natal… Joana ficou estagnada em frente a uma dessas lojas. Admirou aquelas figurinhas de barro que representavam o nascimento de Jesus. A D. Albertina costumava ter, naquela época, figurinhas parecidas com aquelas e dizia-lhe sempre que era o dia do Menino Jesus. Apesar de desconhecer o significado do presépio, Joana sentia-se, fortemente, atraÃda por aquela figura pequenina, deitada em berço de palhas, rodeada de pai e mãe e muitas pessoas de barro, ao seu redor. E sob o piscar luminoso das luzes ela sonhou que tinha uma casa onde sempre havia uma lareira acesa, uma cama quentinha e um prato de comida, na mesa. Meneou a cabeça, voltando à realidade e continuou a andar, ainda mais fraca, fraqueza que invadia todo o seu corpo de menina. Andavam todos demasiado atarefados, carregados de embrulhos, sorrisos apressados para repararem que, ali mesmo, ao seu lado alguém pedia um pedaço de pão. Só pão. - Não tenho nada para te dar, pequena, vai mas é para casa! - Não tenho casa… Exausta e tremendo do frio que aumentava, Joana entrou numa loja da rua e sentou-se no chão alcatifado de vermelho. - Ó menina, vai lá para fora! – Ordenou o empregado irritado, que também tinha uma filha em casa, esperando o pai chegar com presentes de Natal. - Deixe-me estar aqui só um bocadinho, está tanto frio lá fora… – Pediu, humilde. - Não podes ficar aqui, vou fechar a loja. Vá, vai-te embora! Ao pisar, de novo, a neve enfrentando o gelo que se fazia sentir com maior intensidade, sentiu-se desfalecer. Com um esforço sobre-humano equilibrou-se e continuou a sua caminhada.
Nesse mesmo instante, alguém em silêncio, seguiu atentamente todos os seus passos…
Escureceu e o movimento das ruas diminuiu. As famÃlias recolhiam-se para festejar a Consoada ao redor do bacalhau e dos sonhos debruados a fatias douradas. De súbito, algo lhe perturbou a visão obrigando-a a cambalear. Amparou-se ao muro da rua e olhou em seu redor. Tudo lhe pareceu estar envolto numa grande névoa que a fazia sentir-se tão leve, tão esquisita… As vozes soaram-lhe longÃnquas e a pouca força que lhe restara, esgotara-se após o esforço que fizera em manter-se de pé. Uma mão quente e forte pousou no seu ombro gelado e Joana caiu inerte no chão da calçada. Uma multidão de gente vinda de todas as esquinas rodeou o corpo franzino que ali jazia. - Quem será? De onde terá vindo? O que lhe terá acontecido? Entre essa multidão, estava o empregado da loja que a expulsou sem dó nem piedade, apressando o passo de remorso.
No instante em que aquela mão quente e forte pousara no seu ombro, Joana sentiu uma onda de calor invadindo toda a sua alma infantil. Foi transportada para muito longe, para lá das nuvens onde nenhuma criança pedia esmola nem morria de frio.
- Quem és tu? - Alguém que te ama muito e que sempre esteve ao teu lado até chegar a hora de te trazer… - Para onde me levas? - Para a tua morada! - E nesse sÃtio há pão? - Não sentirás mais necessidade, minha querida! - Como te chamas? - Jesus… - Tens o mesmo nome daquele menino deitado em palhinhas! Dizes-me o que significa o Presépio? O amigo que a transportava nos braços, sorriu ao responder: - Sim, minha criança, vou contar-te a minha história…
Joana aconchegou-se mais naqueles braços quentes e fortes que a enlaçavam. No seu rosto redondo, ficou uma expressão de serenidade para a eternidade…
Manuela Fonseca
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