britoribeiro
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« em: Agosto 21, 2008, 12:52:55 » |
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Desta vez o juiz assinou o mandato para análise dos telefonemas, que foi imediatamente enviado para a Vodafone, com uma nota de “muito urgenteâ€. Autorizou a peritagem ao BMW do Dr. Lacerda, com muita relutância e apenas depois de lhe ser assegurado que estava em causa uma questão crucial para a investigação. O banqueiro ficou escandalizado quando lhe entregaram o mandato que autorizava a perÃcia à sua viatura. Ligou para o advogado que o aconselhou a colaborar e a retirar-se para o recato da sua moradia, antes que os jornalistas farejassem o acontecimento. Uma aturada vistoria à viatura permitiu encontrar vestÃgios de sémen nos tapetes traseiros, alguns cabelos e vários conjuntos de impressões que se provou pertencerem à vÃtima. No tapete do lugar do condutor foram encontrados uns fragmentos minúsculos de saibro idêntico ao do Jardim de Arca d`Ãgua. Face a este conjunto de indÃcios o insigne banqueiro foi detido para interrogatório e quando saiu cinco horas depois, já tinha sido constituÃdo arguido, com termo de identidade e residência como medida de coacção. Durante o interrogatório manteve uma postura calma e respondeu com notória poupança de palavras a tudo o que o juiz lhe perguntou. Sustentou sempre que não conhecia o rapaz, negou ter estado nos últimos vinte anos no jardim de Arca d`Ãgua e negou ter disparado a pistola assassina. Declarou ter estado em casa toda a noite, não ter saÃdo e ter adormecido perto da uma da manhã, declarações confirmadas pela esposa que dormia no quarto ao lado e que o ouviu ressonar regularmente. O meio da alta finança acordou abalado com o escândalo provocado por um dos seus pares mais conceituado. As acções do Banco de Investimento desceram seis pontos, alguns clientes importantes encerraram as suas contas, o Conselho de Administração reuniu de emergência para analisar a crise provocada pelo escândalo e pela demissão pedida pelo seu presidente. Telejornais abriram, com directos da tranquila avenida onde o arguido residia e onde se supunha estar refugiado.
- Ó pá, é demasiado simples. Há muito que já deixei de acreditar em tudo o que me põe em frente do nariz… E esta merda cheira mal de cada vez que lhe tocamos. – dizia o Cabral enquanto rolava um palito entre os dentes. - Isso é verdade, mas os indÃcios são muito fortes e o velho não tem um álibi em condições. Tanto podia estar a dormir como a enrabar algum puto – concorda o Ramos, recostado na cadeira. - Ou a ser enrabado… - resmunga o Cabral. - Meus amigos, fiquei com a impressão que o Dr. Bacelar não disse tudo durante o interrogatório e o juiz também ficou com a mesma impressão. Aquela capa de indiferença está a camuflar algo mais profundo. Há várias hipóteses. Pode ter sido ele a apagar o miúdo ou está a proteger alguém. Também pode estar a ser tramado… - Por quem, carago? – pergunta o Ramos. - Por algum filho da puta do banco que o quer foder! – explica o Cabral com a habitual profusão de vocabulário vernáculo. - Não pode ser. Estás a esquecer-te que a arma do crime estava na gaveta fechada à chave no quarto dele e ao BMW só tem acesso o motorista. A propósito algum de vocês interrogou o segurança sobre esse aspecto. - Falei eu com ele e confirmou que o BMW ficou estacionado na rua em frente à casa – diz o Cabral. - Mas porque é que não o recolheram na garagem? - Porque esteve a fazer revisão e só à noite é que um mecânico o veio trazer. Já não é a primeira vez que assim acontece e é habitual deixá-lo estacionado em frente à casa e meter as chaves na caixa do correio. - Detesto estas coisas da alta sociedade. Nunca são o que parecem… - Tirando o dinheiro, ainda são mais fodidos que nós, os tesos! – sentencia o Cabral. O telemóvel do inspector MaurÃcio tocou, era o Dr. Lacerda a dizer-lhe que tinha algo a comunicar e pedia-lhe que passasse por sua casa a qualquer hora. - Fala-se no diabo e ele aparece. Bem, vou lá ver o que ele quer, mas palpita-me que vai começar a levantar a tampa – diz o MaurÃcio levantando-se.
- Eu conhecia o miúdo. Lamento ter dito que não o conhecia mas estava assustado e… hum… segui o conselho do meu advogado. Ele nem sonha que estou a ter esta conversa consigo. - Quero informá-lo que tudo o que me transmitir terei de fazer constar dos autos do processo… - Eu sei, mas não posso deixar que este crime horroroso fique impune e eu passe por criminoso. Como lhe dizia eu conheço, melhor, conhecia o miúdo. Soube da existência dele há três meses por um conjunto de circunstâncias desagradáveis, mas… - Desculpe interromper, mas se quer informar-me de todos os factos que dispõe, tem de deixar-se de rodeios e ir directamente aos factos. - Tem razão. É um velho hábito do meu meio. Descobri que o Tomé era meu neto. Quando ainda era solteiro, na casa de meus pais tive um… tive uma… uma relação com uma empregada. Ela ficou grávida e foi para a terra, algures no norte e a vida continuou. A minha mãe foi muito generosa com a rapariga, ela ficou bem, tanto quanto sei e eu fui enviado para Londres e lá fiquei durante um par de anos. Quando regressei casei com uma senhora que faleceu pouco depois e uni-me em segundas núpcias com a minha actual esposa, da qual tenho três filhos. A nossa antiga empregada teve uma filha e nunca lhe disse quem era o pai, tinha sido o acordo feito pela minha mãe. A criança cresceu na aldeia, fez-se mulher, sei agora que se chamava Aurora, veio para o Porto, casou com um desgraçado qualquer e andou a prostituir-se por aà até que a mataram há uns meses. É capaz de se lembrar do caso inspector… - Sim, Aurora… recordo uma mulher estrangulada na Via Norte. Nunca se descobriu quem foi, provavelmente um cliente… - Talvez sim, talvez não… O certo é que era minha filha e quando ela faleceu o Tomé foi informado, trabalhava numa fábrica de móveis. No funeral parece que encontrou um tio, melhor, um tio-avô, irmão da nossa antiga empregada, que lhe contou a história da famÃlia, com nomes e tudo. Um dia o rapaz apareceu-me aqui à porta, o segurança correu com ele, mas voltou e insistiu nos dias seguintes até que disse que era meu neto. O segurança informou-me e imagine como eu fiquei ao ouvir da sua boca coisas que eu pensava já ter esquecido. Dei-lhe algum dinheiro e pedi algum tempo para reflectir. Voltou mais duas vezes e da última contou-me algo arrepiante… - Algo relacionado com a prostituição masculina? – perguntou o inspector MaurÃcio. - Sim. Ele tinha-se iniciado na prostituição muito novo quando ainda estava no reformatório. Um dos seus clientes habituais… desculpe, nem lhe ofereci uma bebida. - Não, obrigado. Continue… - Mas eu preciso de uma bebida… forte. Serviu-se de uma garrafa de cristal contendo um lÃquido âmbar, deixou verter longamente no copo e emborcou metade da porção de um trago. Via-se pela contracção do rosto que não estava habituado a beber dessa forma, mas as circunstâncias eram excepcionais. - Bem… Dizia eu, que me contou que estava no negócio da prostituição masculina e que tinha um cliente com um carro como o meu e parecido comigo a quem ele roubou uma pasta com documentos. Levou para casa e viu que aparecia o meu nome em vários papeis… Sabe o que isto quer dizer? - Que pediu dinheiro pelos papéis – conclui o inspector MaurÃcio. - Não, o miúdo nunca tentou fazer chantagem. Eu acho que ele queria apenas um pouco de atenção, se calhar uma famÃlia. Aquilo que ele nunca teve. - Então quem é o dono do outro carro, o tal que era cliente? - É o meu filho mais velho, que também pertence ao conselho de administração do banco. Todos os administradores têm viaturas de serviço iguais. O carro dele é exactamente igual ao meu, só muda a matrÃcula. Foi um choque muito grande para mim saber que frequentava os meios da prostituição masculina, a prostituição infantil. Muito duro, inspector, muito duro para um pai! Mas o pior ainda estava para vir, pois eu confrontei-o com os factos, ele negou sempre e dois dias depois o rapaz… o meu neto estava morto e eu suspeito de homicÃdio e de práticas… práticas nojentas. Usou a minha arma e o meu automóvel para me incriminar, para afastar-me do banco e eliminar um herdeiro inesperado, pois eu comuniquei-lhe a intenção de tomar conta do rapaz e dar-lhe uma educação adequada, se ainda fosse a tempo… A minha vida está arruinada, mas isso pouco me importa, nos dois últimos dias passei a ver vida com outros olhos. - Dr. Lacerda tenho que proceder à detenção do seu filho imediatamente e solicitar-lhe que me acompanhe para registar as suas declarações. - Sim, sim, mas mais logo inspector. Peço-lhe apenas duas horas, talvez três horas… O meu filho deve estar a chegar e quero ter uma conversa tranquila com ele. Depois pode levá-lo preso, até me pode levar a mim. - Muito bem senhor doutor, vou manter esta casa sob vigilância e logo que termine a conferência com o seu filho peço-lhe que me telefone para proceder à detenção com a maior discrição possÃvel.
Às 19,45 o segurança da propriedade ouviu vários estampidos provenientes do escritório e face à ausência de resposta do interior, arrombou a porta deparando com os cadáveres do pai e do filho. No chão, ao lado do Dr. Lacerda, estava uma pistola Browning 6,35 ainda quente.
Fim
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