Classificados; Equilíbrio Procura-se

[antónio paiva]

     Muitas vezes sinto-me a escrever no cais do deserto. Ultimamente cada vez mais. Quase transporto frases e versos nas olheiras. São dúvidas, é o que são. Dúvidas. Esta coisa de transformar ideias, pensares e olhares em escrita, às vezes é um massacre. Uma coisa é um escritor em escombros, outra coisa é; por via de sarar as feridas, transformar a escrita em escombros.
   Se tenho algo para dizer; preciso de o escrever. Mas dizer por dizer e escrever por escrever? Pois, é medíocre e só estreita a mente. E disso só pode restar o sabor amargo a remorsos inúteis. Valha-me a santinha da gaveta, que não me cobra promessas.
   Estabeleço aqui uma pequena analogia; se temos de ir a um evento, de cujo programa de abertura consta uma maçadora intervenção de retórica, o melhor remédio é chegar atrasado. Evitamos desse modo ficar a bocejar por dentro. Por isso entendo que; se preciso de escrever alguma coisa, e no momento não sai mais do que escrita grossa. O melhor é adiar. Desse modo, não boceja a escrita, não bocejo eu, e evito o bocejo do incauto leitor.
   Ainda que, a escrita não seja filha da exactidão de uma fórmula matemática, e passe tempos infinitos pendurada em cortinados de estética, há que evitar a todo o custo, transformá-la em qualquer coisa de carregar pela boca. E dúvidas, muitas dúvidas.
   A verdade é que todos nós temos os nossos momentos de temerosas cobardias, e os nossos momentos de coragem patética em exaltação. Dúvidas, muitas dúvidas. E somos tantos a errar por caminhos semelhantes, às vezes diferentes. O anúncio a publicar nos classificados; Equilíbrio Procura-se.

   Pois é; fritar miolos.

[Tim_booth]

Mas às vezes a tal "escrita grossa" é necessária para que a refinada se chegue à ponta dos dedos. Pelo menos comigo é assim. Se no fim essa primeira impressão for de deitar fora, pois então nada mais simples do que apagar a "escrita grossa" e deixar apenas o que merece estar.

Cheers

[antónio paiva]

...

Tim,

não será outro modo de dizer o mesmo?

tal como consta do texto; E somos tantos a errar por caminhos semelhantes, às vezes diferentes.

abraço.

[Tim_booth]

Sim, tem razão António. Importante é errar, errar é mexer.

Cheers

[Mel de Carvalho]

Paiva, não resisto a deixar aqui um conjunto de ideias sobre "a faca de dois gumes" que é a palavra, e, para tal, socorro-me de uma "lenda" que nos refere o seguinte:
Na Antiguidade Clássica um nobre deu um pote de moedas a um serviçal com a incumbência que fosse ao mercado e lhe trouxesse o melhor que, com tal volume de moedas lá se pudesse comprar.
O serviçal pensou, pensou e ... trouxe-lhe "Palavras"...
O nobre, estranhando a "manha" do serviçal em lhe apresentar um "saco cheio de palavras" no dia imediato deu-lhe um novo pote de moedas com igual incumbência, mas desta vez de sentido inverso: o pior que no mercado se pudesse encontrar.
E o serviçal de novo lhe trouxe ... PALAVRAS.

A esta altura da histórias dirás: passou-se!!! A Mel passou-se ... pois não, amigo ... a moral da história é que as PALAVRAS são sempre um pau de dois bicos, uma faca de dois gumes.

As palavras, as tuas, as minhas, dependendo do sentido que lhes imprimirmos podem levar-nos a bons ou maus caminhos, boas ou más acções. E, nesta dictomia metedologica, neste "ser e não ser", "fritamos os miolos"... em busca do traçado que melhor sirva a nossa convicção estética e filosófica ...

Olha, sei lá... deu-me para aqui. Devaneios ... "fritei os miolos".
E, claro, adorei ler-te!

Abraços
Mel

[Nina Araujo]

Acho louvavel esta reflexao e nao deixaria de dizer que gosto sempre do que escreves, nao sei se conseguirias escrever algo que nao fosse bom, pelo menos do que tenho lido!

[Goreti Dias]

A tua escrita nunca será grossa! Gostei dessa de fritar miolos!
Bj